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  • Foto do escritorDarlan Gebing

Teatro é revolucionário?

Passando os olhos pelo feed do meu Instagram, parei em uma frase que dizia o seguinte: "O teatro não é revolucionário em si mesmo, mas certamente pode ser um excelente ensaio da revolução” com autoria de Augusto Boal (1931 - 2009). Me dei conta que mesmo depois de dez anos estudando teatro nunca tinha parado para conhecer Boal e o Teatro do Oprimido, pesquisa que ele realizou ao longo da vida. Sempre me haviam apresentado em cursos de teatro ou de história da arte, dramaturgos, teóricos e artistas de diversos países do mundo, principalmente homens brancos europeus.

Resolvi ir atrás de mais informações sobre ele, me encontrei com documentários, livros, artigos que todos aqui podem ter acesso. Deixo alguns links disponíveis no final deste texto. 



Não tenho a intenção de apresentar, descrever e fazer um resumo do que é a obra de Augusto Boal e o que é o Teatro do Oprimido. Para isso, os materiais já publicados e um acervo gigantesco do Teatro do Oprimido podem servir. O meu objetivo aqui é pensar e dialogar junto com Boal e o Teatro do Oprimido a minha produção artística, a minha experiência enquanto público e expandir, violentamente, qual é o teatro que eu quero fazer, qual é a função do teatro atualmente.

O meu encontro com Boal se deu provavelmente pela mesma razão de vários outros pesquisadores das artes cênicas no Brasil, que é pelo fato dele ter sido o único ou um dos principais teóricos brasileiros das Artes Cênicas a criar uma teoria que fosse pesquisada pelo mundo inteiro. O que de diferente Boal propõe na sua trajetória? Era isso que me interessava. O livro Teatro do Oprimido: e outras poéticas políticas (2019) de Augusto Boal me fez pensar muito sobre a minha prática cênica e qual é a dimensão social do teatro, até onde o teatro pode ir, onde que o teatro se encontra com a política, se é que em algum momento eles estiveram separados.

Outra frase que encontro no seu texto e me faz expandir minha consciência sobre o Teatro é: “O teatro é uma arma e é o povo que deve manejá-la”. O principal objetivo do teatro do oprimido é transformar o povo, que normalmente no Teatro é espectador passivo, em um ator, um transformador da ação dramática e portanto da vida.

Um dos desejos de Boal era que através do Teatro do Oprimido o espectador se apropriasse dos meios de produção teatral e os dominasse. E para isso acontecer o participante deveria primeiro conhecer o seu corpo e sentir a alienação muscular imposta pelo trabalho e papéis sociais exercidos na sua vida. Ou seja, um trabalho físico que dê consciência ao oprimido sobre o que o oprime. O T.O. (Teatro do Oprimido) também pode revelar o conjunto de papéis sociais que uma pessoa desempenha na realidade, as máscaras sociais de comportamento.


O trecho a seguir ilustra o que o Teatro do Oprimido propõe:


Para que se compreenda bem esta Poética do Oprimido, deve-se ter sempre presente seu principal objetivo: transformar o povo, "espectador ", ser passivo no fenômeno teatral, em sujeito, em ator, em transformador da ação dramática. Espero que as diferenças fiquem bem claras: Aristóteles propõe uma Poética em que os espectadores delegam poderes ao personagem para que este atue e pense em seu lugar; Brecht propõe uma Poética em que o espectador delega poderes ao personagem para que este atue em seu lugar, mas se reserva o direito de pensar por si mesmo, muitas vezes em oposição ao personagem. No primeiro caso, produz-se uma "catarse"; no segundo, uma "conscientização ". O que a Poética do Oprimido propõe é a própria ação! O espectador não delega poderes ao personagem para que atue nem para que pense em seu lugar, ao contrário, ele mesmo assume um papel protagônico, transforma a ação dramática inicialmente proposta, ensaia soluções possíveis, debate projetos modificadores: em resumo, o espectador ensaia, preparando-se para a ação real. Por isso, eu creio que o teatro não é revolucionário em si mesmo, mas certamente pode ser um excelente "ensaio" da revolução. O espectador liberado, um homem íntegro, se lança a uma ação! Não importa que seja fictícia: importa que é uma ação. (BOAL, 2019, pg. 130)


Essa breve pincelada pelo que Boal me afetou abre uma conversa sobre um teatro que não acontece de forma recorrente. Ou de uma política que não ocorre com frequência. É um acontecimento social que talvez só é possível através do Teatro do Oprimido. Um encontro entre artista e público que fica borrado, não há diferença, nem entre palco e platéia, nem entre arte e vida real. As histórias reais e o efeito que a arte provoca na vida é o que interessa. 

Eu me lembro como as oficinas de teatro foram e ainda são fundamentais para minha consciência de quem sou, como me movimento, como me relaciono com o mundo. Proporcionar isso para o maior número de pessoas também é um desejo meu, um corpo consciente tem menos chances de ser manipulado. Mas nem todos estão dispostos a fazer uma oficina teatral, por exemplo, ainda mais quando são informados que irão movimentar o corpo. Nesse sentido, o acontecimento teatral, principalmente em espaços públicos, pode ser ainda mais abrangente. 

Boal e o T.O. são um convite para a revolução, nos presenteiam com um método para chegar nela e me parece que cada vez mais precisamos deles para conscientizar os corpos oprimidos e cansados de que podemos e devemos revolucionar o que já está posto, reafirmando a vida e a função social da arte, tão esquecida. Me interessa esse teatro que chega próximo ao público e convidá-o a refletir sobre a realidade. Em contraponto a um teatro distante e cheio de códigos exteriores ao contexto daquele público que torna a experiência cênica sem associações significativas. Se o teatro é tão poderoso como diz Boal, então temos que usar ele com muita consciência e coletividade.

As perguntas provocadoras que ficam são: como produzir um trabalho cênico a partir desse pensamento? Como realizar oficinas e/ou produtos cênicos que tornem corpos conscientes de si e dos seus papéis sociais? Estamos dispostos e desejamos a revolução? Quais são as pautas sociais que podemos abordar através do teatro na nossa realidade social? Pensando que as revoluções acontecem em proporções pequenas antes de conseguirmos produzir uma revolução maior, convido-as a pensarmos nas micro revoluções que podemos operar em nós mesmos e nos indivíduos à nossa volta, do micro para o macro.


Links úteis:


Documentário sobre o Teatro do Oprimido e Augusto Boal:


Site do Centro de Teatro do Oprimido:


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